Como anda a leitura na escola?
Segundo Cavalcanti (2011), em relação ao ato de ler, as teorias que procuravam explicar a leitura levando em conta apenas a figura do autor e/ou o próprio texto (cuja função do leitor seria a extração de um sentido) perderam espaço na história recente, porque hoje já se opera com o consenso de que ler é muito mais que descobrir as intenções de quem escreve: é uma complexa atividade/processo, na qual o leitor é agentivo – na tarefa de atribuir sentidos ao que lê, tendo em vista que a linguagem não é transparente.
Em consequência, os textos são repletos de vazios que devem ser preenchidos durante a leitura, por meio de diferentes competências que precisam ser mobilizadas. Dentre essas competências, constituídas a depender da “Biblioteca interna” de cada sujeito, Cavalcanti (2011), tomando Maingueneau como referência, destaca:
a) Competência enciclopédica ou conhecimento de mundo, que respeita
àquilo
que é preciso saber sobre o assunto tratado para que o texto possa ser lido sem maiores dificuldades. Trata-se de um conhecimento que engloba as práticas, as
características do meio social em que vivem os participantes das interações.
A falta desse conhecimento explica, por exemplo, a dificuldade de compreender
textos que exploram ou tematizam traços particulares de uma dada
cultura/sociedade. (CAVALCANTI, 2011, p. 2021).
b) Competência
linguística, que consiste no domínio da língua na qual o texto foi
produzido.
c) Competência de gênero, que respeita ao conhecimento de que dispõem os leitores sobre os gêneros de discurso que circulam nas diferentes esferas sociais, conhecimento que os leva a identificar esses gêneros e a adotar um comportamento adequado em relação a eles.
Em relação a essa competência, podemos ainda
acrescentar as considerações de Rodrigues (2001), para quem “[o] gênero [...] se constitui como força
reguladora para a construção e acabamento do enunciado para o falante, [e]
como horizonte de expectativa para o interlocutor” (RODRIGUES, 2001, p. 51-52).
Desse modo, esse tipo de conhecimento
regula tanto a produção quanto a recepção de textos.
Segundo Cavalcanti, esses são os três tipos de conhecimento agenciados para que o leitor preencha os muitos vazios dos textos com que se depara em seu dia a dia e produza (ou não) sentidos com a leitura.
Palavra livre
Em O trabalho de leitura crítica: recompondo representações, relações e identidades sociais, Meurer aborda a interligação entre leitura crítica e domínio linguístico, enfatizando a necessidade de uma sólida compreensão da língua para analisar textos criticamente. A pedagogia de leitura crítica é apresentada como um método educacional que capacita os alunos a refletirem sobre textos, questionarem preconceitos e compreenderem a relação entre linguagem e poder, com uma expansão específica para o ensino de português.
A perspectiva freireana é introduzida, destacando a recuperação da experiência e consciência do sujeito como base para a educação crítica. Duas direções na pedagogia de Freire são discutidas, incorporando elementos pós-estruturalistas para criar uma abordagem de oposição. São destacados os desafios práticos de implementar a pedagogia freireana, ressaltando a necessidade de equilibrar a experiência do aluno com a análise crítica e ética dos textos.
A conclusão enfatiza a contribuição
significativa da perspectiva freireana para a leitura crítica, integrando
língua, contexto e criticidade, sugerindo uma expansão com elementos
neo-gramscianos para promover resistência educacional.
A proposta neo-gramsciana de leitura
crítica, baseada nas ideias de Antonio Gramsci, é apresentada, focando em
agência e estratégias de resistência. Conceitos como hegemonia nas sociedades
capitalistas, diversidade e contradições nas classes sociais, visão dialética
da ideologia e a importância do contexto e materialidade textual são
destacados. A capacitação dos alunos para questionar ideologias dominantes e a
aplicação em diferentes contextos sociais são enfatizadas.
A última parte do texto discute
teorias cognitivas adotadas por linguistas aplicados e psicólogos da cognição,
explicando o processo de atribuir sentido a textos. A análise crítica do
discurso é introduzida, focando não apenas nos aspectos cognitivos, mas na ação
social representada no texto, suas posições e relações sociais. A leitura
crítica é apresentada como a percepção das conexões que os textos estabelecem
com práticas discursivas e sociais, questionando e desafiando estruturas
existentes. Nesse contexto, a leitura crítica revela que muitos acontecimentos
sociais são construções discursivas e que representar o mundo de uma determinada
maneira é uma forma de ideologia.
Referências:
CAVALCANTI, J. R. Sobre leitura e produção de sentidos. Anais do VII Congresso Internacional da
Abralin, p. 2021-2030, Curitiba, 2011.
GERALDI, J. W. A leitura e suas múltiplas faces. In:
GERALDI, J. W. A aula como acontecimento.
São Carlos: Pedro e João, 2010. p. 103-112.
GOULEMOT, J. M. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, R. (org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2001, p. 107-106.
MEURER, J. L. O trabalho de leitura crítica: recompondo representações, relações e identidades sociais. Ilha do Desterro, n. 38, p.155-171, jan. /jun. 2000. Disponível em: https://docplayer.com.br/38652935-Otrabalho-de-leitura-criticarecompondo- representacoesrelacoes- e-identidades-sociais. html. Acesso em: 18 jul. 2023.
RODRIGUES, Rosângela Hammes. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico artigo: cronotopo e dialogismo. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) – PUCSP, São Paulo, 2001.
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