Pela desescolarização da leitura e leiturização da sociedade: a relação entre leitura e aspectos políticos, culturais e econômicos
[...] a noção de poder está ligada à própria natureza da comunicação escrita na sua exigência de distanciamento e de teorização: o poder sobre si mesmo; o poder de se conhecer, de se compreender e de situar-se; o poder sobre sua maneira de aprender, sobre a gestão de seu tempo e de seu espaço; o poder de participar da vida, das decisões, dos projetos de diferentes grupos; o poder sobre o ambienta físico e social para compreende-lo, transformando-o e agindo sobre ele através de produções. (FOUCAMBERT, 1994, p. 34)
Considerando esse valor atribuído à leitura, o autor destaca que essa emergência social (a de letramento), antes atribuída apenas à escola, deve, na verdade ser de toda a sociedade.
Citando Lerner (2002, p. 17), por exemplo, defende-se que, para formar praticantes da cultura escrita, é necessário reconceitualizar o objeto de ensino, considerando-o como referência fundamental para práticas sociais (de leitura e escrita), o que significa, ao mesmo tempo, pôr em cena uma versão escolar dessas práticas e manter certa fidelidade à versão social (não-escolar) da prática, de modo que a escola funcione como uma microcomunidade de leitores e escritores. Essa reconceitualização implicaria, ao fim, uma revisão sobre os textos que devem circular na escola e até o que significa leitura.
Se é por meio da leitura que temos acesso à maior parte dos conhecimentos acumulados pela humanidade, garantir o acesso à leitura passa a ser, portanto, uma tarefa de responsabilidade da sociedade como um todo. Daí a afirmação de que é preciso desescolarizar a leitura e a leiturizar a sociedade:
a) Desescolarizar a leitura: porque, sendo escola e sociedade indissoluvelmente vinculadas para a formação de cidadãos, é na sociedade, para além dos muros da escola, que está o cerne do que se deve ensinar na escola, embora também seja de responsabilidade da sociedade os temas educativos, o que significa que a sociedade não pode delegar à escola a função de responder a todas as demandas sociais. Foucambert, nesse sentido, considerando que a leitura não é um processo que se conclui na escola e que é necessário o ensino de estratégias de leitura para serem utilizadas como ferramentas no exercício de cidadania, destaca que
“[a]prende-se a ler em qualquer idade e continua-se sempre aprendendo. A escola é um momento da formação do leitor. Mas se essa formação for abandonada mais tarde, ou seja, se as instâncias educativas não se dedicarem sempre a ela, teremos pessoas que, por motivos sociais e culturais, continuarão sendo leitores e progredirão em suas leituras, e outras que retrocederão e abandonarão qualquer processo de leitura”. (FOUCAMBERT, 1994, p.17)
b) Leiturizar a sociedade: porque, tendo em vista que muito fatores entram em jogo quando se discute leitura – a despeito de
“as querelas escolares fomentadas por políticas públicas [girarem] essencialmente em torno dos métodos sem considerar as questões sociais, políticas, econômicas, culturais das quais originam o leitor[/sujeito social] [...], [o] aprendizado de leitura depende também da organização geral da escola e do seu entorno, da política coerente que a equipe pedagógica decide adotar para o ensino em seu conjunto; das articulações possíveis com parceiros; da consideração de público-alvo não apenas o corpo discente, mas também os que estão à margem do sistema educativo institucionalizado, enfim, das comunidades carentes de oportunidades de participação social” (FIRMINO, 2006, p. 5). O problema(novo) para isso, conforme afirma Foucambert, “é inventar as condições e abordagens de uma política de ‘leiturização’ que responda às necessidades individuais e sociais de nosso tempo, da mesma maneira que a política de alfabetização satisfez as exigências dos últimos cem anos” (p. 33).
Considerando esta perspectiva, a leiturização se configura como reinvenção de uma forma de se relacionar com o mundo: um mundo sem fronteiras, cujos sujeitos, cidadãos, de fato, são protagonistas de sua própria história. E os múltiplos espaços de aula, para além da escola, mais do que um lugar de circulação de conhecimentos, transforma-se num espaço de aprendizagem real do humano, de descoberta.
Referências:
FOUCAMBERT, J. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
FIRMINO, Célia. A leitura em questão: Foucambert pela leiturização social. Interatividade. Andradina (SP), v.1, n. 2, 2006. Disponível em: <http://www.firb.br/interatividade/edicao2/_private2/firmino.htm>.
LERNER, Délia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed. 2002, 120 p.
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